Resumo: O artigo aborda o princípio da legalidade na Administração Pública, destacando a distinção entre a atuação do administrador público, que deve fazer apenas o que a lei permite ou obriga, e a atuação do particular, que pode fazer tudo que não é proibido por lei. Diferencia-se, ainda, a atuação administrativa vinculada, em que a conduta é regulada em sua totalidade, e a discricionária, que permite certa liberdade na escolha da conduta, desde que observados os limites impostos pela lei. Destaca-se, ademais, a importância do termo "mérito do ato", que se refere à avaliação da conveniência e oportunidade na prática do ato discricionário, analisando-se a (im)possibilidade de interferência do Poder Judiciário nesse âmbito.
1.Introdução
O presente artigo aborda o princípio da legalidade como norteador da atuação da Administração Pública, em contraste com o âmbito do direito privado, no qual cabe ao particular agir livremente, desde que não viole a lei. A partir dessa base, são analisadas as duas formas de atuação do administrador: a vinculada, que exige a conformidade estrita à norma, e a discricionária, que permite certa margem de liberdade para escolher uma conduta possível, dentro dos critérios de conveniência e oportunidade, em busca do interesse público e em consonância com as balizas legais.
A complexidade e diversidade dos problemas enfrentados pela Administração Pública são apontadas como justificativas para a discricionariedade administrativa, já que a lei nem sempre prevê todas as soluções vantajosas para cada caso concreto. Nesse contexto, a doutrina introduz o conceito de "mérito do ato", que envolve a avaliação da conveniência e oportunidade relativas ao motivo e ao objeto do ato discricionário.
No entanto, é importante destacar que o controle judicial dos atos administrativos discricionários não permite a interferência do Poder Judiciário no mérito administrativo, sob pena de violação do princípio da separação dos Poderes. A análise judicial fica limitada a verificar a existência de ilegalidades, abrangendo os aspectos dos motivos, da finalidade (desvio de poder) e da causa do ato.
Diante disso, o artigo visa aprofundar a compreensão do controle jurisdicional dos atos administrativos, ressaltando sua relevância como mecanismo de garantia de que a Administração atuará em consonância com o interesse público, assegurando a harmonia entre o poder discricionário e os limites legais impostos.
2. Controle jurisdicional da discricionariedade administrativa
A Administração Pública é pautada pelo princípio da legalidade, sendo que, ao administrador compete fazer tudo aquilo que é permitido ou obrigado pela lei – diferentemente do que ocorre no direito privado, em que cabe ao particular fazer tudo aquilo que não é proibido por lei.
Desse modo, a lei possibilita duas formas de atuação do administrador: a vinculada, em que a conduta é regulada em sua totalidade - sendo, como afirma Bandeira de Mello (2009), admitido um único comportamento - e a discricionária, onde há uma margem de liberdade e se pode escolher uma conduta possível, conforme critérios de conveniência e oportunidade, buscando satisfazer o interesse público e com observância aos limites impostos pela lei - já que não se confunde discricionariedade com arbitrariedade.
Hely Lopes afirma que a discricionariedade administrativa encontra fundamento e justificativa na complexidade e variedade dos problemas que o Poder Público tem que solucionar a cada passo e para os quais a lei, por mais casuística que seja, não pode prever todas as soluções, ou, pelo menos, a mais vantajosa para cada caso concreto.
Assim, a discricionariedade administrativa é uma característica fundamental da atuação estatal. No entanto, essa discricionariedade não é ilimitada, e a possibilidade de controle jurisdicional sobre os atos discricionários é uma salvaguarda essencial para garantir o Estado de Direito e a proteção dos direitos dos cidadãos.
O controle jurisdicional da discricionariedade é uma prerrogativa dos tribunais para analisar a legalidade, a razoabilidade e a proporcionalidade dos atos praticados pela Administração Pública. Esse controle visa evitar abusos de poder, desvios de finalidade e arbitrariedades, assegurando que a atuação estatal esteja em consonância com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Nesse sentido, a doutrina de renomados juristas, como Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, destaca a relevância do controle jurisdicional para a garantia dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Ambos os autores afirmam que o controle judicial da discricionariedade é uma forma de limitar o poder estatal e proteger a sociedade de eventuais abusos cometidos pela Administração.
A jurisprudência dos tribunais também se posiciona de forma reiterada no sentido de que o controle jurisdicional da discricionariedade é plenamente possível e necessário. O Supremo Tribunal Federal (STF) já firmou entendimento de que os atos discricionários podem ser controlados quanto à sua legalidade e observância aos princípios constitucionais.
Contudo, é importante ressaltar que o controle jurisdicional da discricionariedade não implica que o Judiciário substitua a decisão administrativa por sua própria escolha. O papel do Poder Judiciário é verificar se a Administração Pública agiu dentro dos limites legais e se respeitou os critérios estabelecidos pela legislação e pela Constituição para a tomada de decisões.
A motivação dos atos discricionários é um aspecto relevante no controle jurisdicional. A exigência de motivação, prevista no artigo 50 da Lei nº 9.784/99, é uma garantia para o cidadão, permitindo que ele compreenda os fundamentos que levaram à decisão da Administração, bem como possibilitando o controle de sua legalidade e razoabilidade pelo Poder Judiciário.
Ademais, a proporcionalidade dos atos discricionários também é objeto de controle pelo Poder Judiciário. O princípio da proporcionalidade impõe que a decisão tomada pela Administração seja adequada, necessária e proporcional aos fins a serem alcançados, evitando medidas excessivas ou desarrazoadas.
Contudo, é preciso destacar que o controle jurisdicional da discricionariedade deve ser exercido com cautela e parcimônia, para evitar interferências excessivas e garantir a autonomia da Administração Pública no exercício de suas competências. O Judiciário deve respeitar a margem de liberdade que a Administração possui para tomar suas decisões, desde que essas estejam fundamentadas em critérios objetivos e legais.
A jurisprudência do STF reforça essa posição, ao determinar que o controle do mérito administrativo é excepcional e deve ser aplicado apenas em situações de flagrante ilegalidade ou desvio de finalidade.
Portanto, o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa é uma importante ferramenta para garantir o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes, assegurando que a Administração Pública atue em conformidade com os princípios que regem sua atuação. A análise dos atos discricionários pelo Poder Judiciário é essencial para a consolidação do Estado de Direito e para a proteção dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Assim, ao se reconhecer a possibilidade e a necessidade do controle jurisdicional da discricionariedade administrativa, estabelece-se um ambiente jurídico em que a atuação estatal se pauta pela transparência, pela legalidade e pela observância dos princípios que regem a Administração Pública. O controle jurisdicional é, portanto, uma peça-chave na preservação do Estado Democrático de Direito, conferindo segurança jurídica aos cidadãos e contribuindo para uma gestão pública mais responsável e eficiente.
3. Conclusão
Diante do exposto, é possível concluir que o princípio da legalidade representa um dos pilares fundamentais da Administração Pública, estabelecendo que o administrador deve atuar de acordo com o que a lei determina, restringindo sua atuação ao que é permitido ou obrigado pelo ordenamento jurídico. Essa diferenciação com o direito privado é relevante, pois no âmbito privado o particular pode agir livremente, desde que não viole a lei.
A legislação confere ao administrador público duas formas de atuação: a vinculada, caracterizada pela completa regulamentação da conduta, admitindo-se apenas uma forma de agir, e a discricionária, que concede uma margem de liberdade ao administrador para escolher uma conduta adequada aos critérios de conveniência e oportunidade, desde que respeitando os limites impostos pela lei.
A discricionariedade administrativa encontra justificativa na complexidade dos problemas enfrentados pelo Poder Público, para os quais a lei nem sempre pode prever soluções vantajosas para cada situação específica. Nesse contexto, o termo "mérito do ato" surge como uma avaliação da conveniência e oportunidade na prática dos atos discricionários, atribuindo legitimidade à escolha feita pelo administrador público.
É importante ressaltar que, nos atos discricionários, o controle judicial é possível, porém, deve ser restrito, para não ferir o princípio da separação dos Poderes. O juiz não pode interferir no mérito administrativo, uma vez que sua função é verificar a legalidade do ato, mas sem substituir a escolha legítima feita pela autoridade competente.
Dessa forma, o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários é uma ferramenta para garantir que a Administração Pública atue em prol do interesse público, permitindo que o intérprete examine os motivos, a finalidade e a causa do ato, sem invadir a esfera de mérito do administrador. Adicionalmente, a teoria dos motivos determinantes fortalece esse controle, vinculando os atos discricionários aos motivos indicados pelo administrador, o que resulta na nulidade do ato caso tais motivos não existam ou sejam inválidos.
Assim, a aplicação adequada do controle jurisdicional dos atos administrativos contribui para a efetividade do Estado de Direito, assegurando que a Administração atue de forma responsável, transparente e em conformidade com os princípios e normas que regem a atividade pública, em benefício da sociedade como um todo.
4. Referências
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Bacharela em Direito. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PERES, BÁRBARA MENDES. Controle jurisdicional da discricionariedade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 ago 2023, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /62672/controle-jurisdicional-da-discricionariedade-administrativa. Acesso em: 28 dez 2024.
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